Confesso que minha apologia à Paulo Henrique Ganso parece um elogio ao futebol do passado. Que a frase de Nelson Rodrigues citada no último post é a coroação do meu discurso antimodernista, contra a velocidade, difamando a produtividade desenfreada, logo, desqualificada. O verbo é mesmo esse: confessar. Pois meu elogio à lentidão de Forlán é quase uma justificativa para meu desleixo na frequência de publicações. Argumento muito usado pelas ciências humanas e filosofia: “qualidade é o que importa, não a quantidade”. Escorados nesse chavão podemos produzir poucas coisas de pouca qualidade.
Assim, dou início à seção “Recordar é viver”, comentando jogos antigos. Diria Sócrates, quando realmente houve futebol. É um pouco o que diz também Ugo Giorgetti numa coluna datada de 2008 sobre Alex, camisa dez do Fenerbahçe. Aliás, o retrô está em voga. Camisas antigas mostram-se mais belas que as atuais. Supõe-se que os jogos antigos também o eram. Depois daquele Santos e Flamengo (4 x 5), nem José Trajano resistiu: “O futebol voltou, minha gente!”. Enquanto ele não volta outra vez, comento a final de 1958, disputada entre Brasil e Suécia. Mas adianto: não passei dos primeiros quinze minutos, quando um lance incrível requisitou-me atenção exclusiva.
O placar diz que foi um passeio do selecionado brasileiro: 5 X 2. Nesse, como em vários casos, o placar não mente. Mas o início do jogo contradiz o resto. A Suécia começou bem, muito bem. Com jogadas rápidas e incisivas. Produzindo aquele volume de jogo que faz do gol um detalhe prenunciado, a Suécia fez um a zero. Numa jogada sem plástica, com direito a drible e boa finalização.
O Brasil melhora após o gol, mas os contra-ataques suecos são recorrentes e perspicazes. Num deles acontece o dito lance. À altura do meio de campo, um lançamento pelo alto. O atacante sueco vazava a defesa brasileira para receber o passe e seguir livre em direção ao gol. Gol feito, pensaram os torcedores. Eu, já sabendo que o segundo tento sueco não sairia daquela jogada, aguardava numa tranquila curiosidade o desfecho do lance. Mérito do goleiro ou demérito do atacante? Nenhum dos dois.
Enquanto a bola viajava pelo alto, ávida para chegar aos pés do outro jogador, Bellini intercepta o lançamento. Com as mãos. As duas. Feito um goleiro que no tiro de canto sobe mais alto que todos, com os braços esticados, segurou bola. Prontamente a deixou no chão, pediu sinceras desculpas com as mesmas mãos. O juiz, que acompanhava de perto o lance, mandou o jogo prosseguir. E prosseguiu. Sem a menor reclamação dos jogadores suecos.
“Mão por querer”: lance que na pelada de fim de semana implicaria em penalidade máxima.